VESTÍGIOS DO PASSADO
Era
uma cinzenta tarde de outubro, quando a caminhonete de mudanças estacionou
diante da imensa residência rural que agora estava registrada no nome de Suzana
Ferreira, mulher viúva, mãe de dois filhos que acabara investindo toda sua
reserva financeira para deixar a cidade grande e recomeçar a vida, longe das
tristes lembranças do falecido marido.
As
portas da velha caminhonete se abriram e de seu interior, Mariana foi a primeira
a saltar. As pernas curtas de menina correram céleres até alcançar uma árvore
onde existia um balanço dependurado. Suzana sorriu. De longe, observava a filha
caçula se divertindo, enquanto os homens contratados para trazer a mudança
desembarcavam as mobílias.
–
É uma bela casa! – exclamou Eduardo, saltando da caçamba da caminhonete.
–
Ainda custo a acreditar que ela é nossa! – disse Suzana, ainda com os olhos
voltados para a filha. – É bem antiga, mas...
–
Só precisa de alguns reparos! – interrompeu Eduardo, que não via problemas em
viver numa velha casa de engenho. – Vou ajudar a levar os móveis. – concluiu,
em seguida, afastando-se para auxiliar os rapazes que, com dificuldade,
carregavam uma pesada mesa de mogno.
Feliz
por notar a satisfação dos filhos, Suzana apanhou o telefone celular e discou o
número do senhor Alberto, o corretor com quem havia realizado a negociação da
fazenda. Desejava agradecê-lo pela indicação do terreno que tinha o preço muito
abaixo do valor de mercado, contudo, por mais uma vez, caiu na caixa postal.
Era a quinta ligação que tentava naquele mesmo dia. Estranhamente, após a venda
concretizada, Alberto parecia haver desaparecido do mapa.
Foi
preciso pouco mais de meia hora para que toda a mobília fosse levada para
dentro. Neste meio tempo, Suzana preparou uma deliciosa limonada e ofereceu aos
rapazes da mudança que, cansados, tomavam um pouco de ar no quintal. Ali mesmo,
eles beberam do suco e instantes depois, revigorados, partiram. A menina, que
até então se divertia no balanço, correu para também se refrescar com a
limonada. Sua mãe a serviu, contudo, mal botou a boca no copo e avistou o que
parecia ser um grande galpão com grades nas janelas, situado não muito longe da
casa onde agora passaria a viver.
–
O que é aquilo? – perguntou a pequena Mariana, desistindo de dar o primeiro
gole e apontando para a rústica estrutura feita de madeira e barro.
–
É uma antiga senzala. – esclarece Suzana. – Era lá que ficavam os escravos desta
fazenda.
–
O que são escravos, mamãe?!
Suzana
respirou profundamente como se tentasse inalar paciência.
Com
apenas 7 anos de idade, sua filha estava naquela fase da infância em que o
desejo de saber tudo sobre todas as coisas começava a aflorar. Enquanto Mariana
escutava, entretidamente, como era a vida nos engenhos de açúcar, Eduardo
caminhava pelo interior da nova residência. Avançava pelos cômodos deixando
pegadas sobre o chão, extremamente empoeirado quando, de repente, deparou-se
com uma menina mulata de olhos tristes, vestindo trapos sujos. O encontro, inesperado,
causou-lhe espanto imediato. Com o susto, foi preciso se esforçar para conter
um grito que felizmente ficara entalado em sua garganta, pois, do contrário,
certamente o teria constrangido diante daquela representante do sexo oposto que
estava a fitá-lo.
A
indagação foi inevitável:
–
Quem é você?!
A
menina de aspecto sombrio, não respondeu, todavia, a pergunta pareceu
surpreendê-la. Alguém finalmente falava com ela.
–
O que faz em minha casa?
Novamente,
silêncio. Por um tempo que Eduardo não soube dimensionar ao certo, aquela
misteriosa garotinha ficou a observá-lo até que de súbito, iniciou a correr.
–
Volte aqui! – gritou indo atrás da garota que, velozmente, avançava pelos
corredores.
A
perseguição se delongou até atingirem o final de um dos corredores que
terminava numa velha porta de coloração branca já desgastada.
–
Agora você não tem como escapar! – exclama Eduardo, ofegante. – Quem é você? –
Diga de uma vez!
A
menina não deu uma palavra sequer. Ao invés disso, ergueu seu braço, delgado, e
apontou para a velha porta como se quisesse dizer algo. Foi exatamente neste
instante que uma voz fez Eduardo se virar:
–
O que está fazendo?!
Eduardo
virou-se e viu sua mãe que, carregando sua pequena irmã nos braços, parecia
preocupada. Já abria a boca para dar explicações quando, voltando os olhos novamente
na direção da porta, não encontrou mais a menina. Sua reação imediata foi
tentar abrir a velha porta. Estava trancada. “Para onde ela teria ido?” pensou
em silêncio.
–
Carlos Eduardo! Eu lhe fiz uma pergunta! – O que o senhor está fazendo? Ouvimos
seus gritos lá do quintal! – O que está acontecendo aqui?
O
medo se apoderou do jovem que não via outra explicação se não o retorno de suas
visões. Já fazia tempo que não as tinha. Tentando dissimular sua aflição
virou-se dizendo para a mãe que havia visto um rato e rumou para o banheiro,
onde se trancou. Abrindo a torneira, molhou o rosto – com violência – e, em
seguida, olhou-se no espelho. A preocupação contida em seu semblante era
praticamente palpável. Sua mãe não podia desconfiar que, assim como o pai, ele
também via coisas que outras pessoas não viam. Temia acabar num hospício.
Ainda
estava envolvido por estes pensamentos quando Suzana bateu à porta, pedindo
ajuda para montar as camas, pois já começava a anoitecer. Lá de dentro, Eduardo
respondeu que logo iria sair. Por mais uma vez jogou água contra o rosto e
respirando, profundamente, desligou a torneira. “Vai ficar tudo bem!” pensou antes
de deixar o banheiro.
De
fato, naquele dia, tudo ficou bem. Eduardo não tornou a ver a menina e,
ajudando a mãe, até mesmo esqueceu-se do ocorrido. As estrelas já enfeitavam o
manto escuro do céu quando, finalmente, terminaram de montar as camas. Como
sentiam fome, Suzana tratou de preparar uma refeição rápida para que não
dormissem de estômago vazio e, juntos à mesa, após breve oração, a família se
fartou com uma apetitosa macarronada enquanto conversavam trivialidades.
Mariana foi a primeira a sentir a exaustão da longa viagem. Dormia sentada,
enquanto mãe e irmão conversavam sobre os reparos que a casa necessitava.
Suzana só se deu conta quando a menina – zonza de sono – quase enfiou a cara no
prato. Decidiu então encerrar a conversa e, apanhando a sonolenta caçula no colo,
rumou para o quarto. Eduardo por sua vez lavou a louça, guardou as panelas e
antes de tomar o caminho da cama, como de costume, tomou um copo de leite
gelado. Foi somente quando se deitou que a lembrança do encontro com a
misteriosa menina lhe veio à cabeça. “O que será que ela queria e por que
aquela porta está trancada?” questionava-se, em silêncio, enquanto observava a
dança suave que as cortinas realizavam com a brisa adentrando pela janela.
Cansado, acabou adormecendo, sem encontrar respostas.
Pela
manhã, despertou com a mãe pedindo que ele cuidasse da irmã enquanto ela iria
até a mercearia da cidade comprar alguns mantimentos. Em meio a um bocejo
Eduardo aceita o desafio e enfia o rosto novamente no travesseiro. Cerca de
vinte minutos após Suzana haver partido ele finalmente se levanta. Esfregando
os olhos, segue até a cozinha para preparar o café da manhã. Pão, geléia de
morango, biscoitos amanteigados e leite achocolatado. Cuidadosamente colocava
tudo sobre a mesa quando ouviu uma correria pela casa.
–
Já tomou café, Mari? – perguntou Eduardo imaginando se tratar da irmã.
Ninguém
responde.
Eduardo
então vai até o quarto dela. Sobre o chão, papéis e canetinhas. Ele entra sem
avistar a irmã.
–
Mari! – chamou por mais uma vez.
O
silêncio só é quebrado por uma risada vinda do lado de fora. Eduardo se
aproxima da janela e vê Mariana se divertindo no balanço. Parece tão feliz
pegando impulso, no singelo brinquedo, que ele acaba desistindo de chamá-la.
Quando sentisse fome, ela mesma entraria. Por hora preferiu deixá-la a brincar.
De decisão tomada, já regressava para a
cozinha quando um dos desenhos espalhados pelo chão lhe chamou a atenção. Curioso,
abaixou para vê-lo mais de perto. A imagem, muito bem desenhada, o impressiona
e assusta. Era a casa onde vivem tomada por chamas de um terrível incêndio.
Com
o desenho nas mãos ele se levanta e, pela janela, nota o balanço agora vazio.
Olha novamente para a figura da casa em chamas. Um forte arrepio percorre todo
seu corpo e, sem saber a exata razão do que está sentindo, Eduardo tem a intuição
de que aquilo não é nada bom e que de alguma forma tem algo haver com a
misteriosa menina que vira no dia anterior. Temendo que Mariana estivesse em
perigo, deixa a casa para procurá-la. Gritando por seu nome, vasculhava o
terreno até que, diante da senzala, finalmente a encontra. Está parada qual uma
estátua, no interior da antiga e deteriorada construção.
–
O que está fazendo aqui, sozinha?
–
Escutei vozes vindas daqui.
Imaginando
que alguém pudesse ter invadido o terreno, Eduardo deixa a senzala olhando ao
redor. Ninguém além deles. Ainda mais preocupado que antes, volta até ela e
pergunta o que as vozes diziam, mas Mariana não sabe dizer ao certo, pois
revela que eram muitas ao mesmo tempo e algumas delas eram somente gritos.
Eduardo então questiona o motivo dela ter feito o desenho que ele trouxe
consigo e Mariana diz ter sido uma voz de menina, em sua cabeça, que havia
mandado fazê-lo. A resposta deixa Eduardo perplexo. Ele não ouvia coisas, mas
apenas as via. Entretanto, lembrava que seu pai, além das visões que tinha,
constantemente reclamava de vozes dentro da cabeça. Naquele instante, teve então
a certeza de que sua intuição estava certa. Aquilo tinha algo a ver com a
menina de olhos tristes. Rasgando o desenho, ordenou que a irmã mantivesse
segredo sobre aquele assunto. Se tal informação chegasse aos ouvidos de sua
mãe, ela certamente acreditaria que os dois filhos sofriam do mesmo mal que o
pai.
Quando
Suzana retornou com as compras, os dois já estavam dentro de casa, assistindo
televisão. Sentados no sofá, Mariana não aparentava preocupação, afinal de
contas, ela não dimensionava o que poderia estar acontecendo. O mesmo não podia
se dizer de Eduardo que mantinha os olhos vidrados na TV, mas a mente distante.
Dominado por um misto de medo e preocupação, ficava buscando respostas. A ideia
de haver se mudado lhe agradava; contudo – em seu íntimo – começava a achar que
tinha algo de errado com aquela fazenda.
–
Carlos Eduardo! – gritou Suzana fazendo o rapaz despertar de suas reflexões.
–
O-oi mãe! – gaguejou meio surpreso. Estava tão entretido em seus pensamentos
que não perceberá que Mariana havia deixado o assento ao seu lado.
–
Não está me ouvindo, garoto?! – Estou te chamando a um tempão.
–
Desculpe! Estava distraído. – O que foi?
–
Trouxe bolo de chocolate. Sua irmã já está lá na cozinha, se fartando... é
melhor se apressar ou não vai sobrar nada.
–
Talvez mais tarde. Não estou com fome. – respondeu se levantando. – Já que
chegou, vou voltar para o meu quarto.
–
Você, recusando bolo?! – Esta doente, garoto?
Eduardo
esboça um leve sorriso.
–
Não, mãe. Só estou ainda um pouco cansado da viagem, pois não dormi direito
durante a noite.
–
Tudo bem então. Vá e descanse bastante por que amanhã vou precisar de ajuda
para limpar a casa.
Eduardo
se despede e ruma para o quarto. Inquieto deita-se pesadamente sobre a cama e
olha o relógio de cabeceira. Os ponteiros indicam 11 da manhã. Não esta com
sono, no entanto, o quarto lhe garante o silêncio necessário para tentar
entender o que esta acontecendo. Enquanto busca mentalmente por respostas, o
tempo vai se passando. “Tem de haver um motivo!” pensa consigo quando,
abruptamente, se levanta da cama, lembrando-se da porta trancada no final do
corredor. “Talvez eu encontre algo por lá que esclareça tudo isso.” pensa, em
seguida.
O
relógio marcava 2 da tarde quando Eduardo deixou seu quarto e percorreu o
trajeto que fizera na perseguição do dia anterior. Levava consigo um molho de
chaves que apanhou na sala, mas desta vez encontra a velha porta destrancada. Do
outro lado, degraus que levam até um escuro porão. Tateando as paredes, Eduardo
vai descendo até encontrar o que parece ser um interruptor. Imediatamente ele o
pressiona e a fraca luz de uma lâmpada se ascende iluminando, parcamente, o
cômodo vazio. Sentindo um forte cheiro de mofo, ele caminha sobre as tábuas
corridas daquele ambiente, mal arejado, até ficar diante de uma grande mancha
circular sobre o chão.
–
O que esta fazendo aqui embaixo?
A
pergunta quebra, abruptamente, o silêncio assustando Eduardo que, com um ágil
pulo, vira-se na direção das escadas.
Mariana
está diante de seus olhos.
–
Eu é que deveria lhe fazer essa pergunta! – retruca levando uma das mãos sobre
o peito. – Quer me matar de susto?
–
Mamãe mandou chamá-lo para o almoço. – Que mancha esquisita é essa? – indagou,
se aproximando.
–
Não faço ideia! Possivelmente jogaram algum removedor de tinta para apagar
algo. – Venha! Vamos voltar lá para cima.
Decepcionado
por não haver encontrado nada, ele apaga a luz e os dois sobem as escadas.
Juntos seguiam pelos corredores até que, diante da porta de seu quarto, Eduardo
diz que não vai almoçar. Mariana então, saltitando, segue sozinha.
Eduardo já adentrava em seu quarto quando uma
pergunta lhe aturdiu a mente.
–
Mari!
Já
distante Mariana se vira.
–
Como sabia que eu estava no porão?
–
A voz de menina me contou. – respondeu simplesmente, voltando a saltitar rumo à
cozinha.
Eduardo
empalideceu e antes que tivesse tempo de dizer mais alguma coisa, viu a irmã
dobrar no final do corredor. Perplexo, trancou-se no quarto. Aquilo estava
ficando cada vez mais estranho. Sentiu vontade de contar tudo a sua mãe, mas
logo tirou a ideia da cabeça. Fazendo isso, não iria conseguir nada além de uma
consulta marcada com um psiquiatra.
Suzana não acreditava em fenômenos paranormais. Era uma mulher
totalmente cética quanto a isso. Precisava agir sozinho.
Aflito,
andava de um lado para o outro, pensando em qual atitude deveria tomar quando
notou um livro sobre a cama. Na capa, de cor vermelha, lia-se: MEDIUNIDADE. “Ué! Como isso veio parar
aqui?” questionou-se apanhando o livro que pertencia ao pai. Virando-se, olhou
para as caixas nas quais seus pertences estavam contidos. Todas, exceto uma,
ainda estavam devidamente lacradas como haviam chegado. A caixa de livros
estava aberta. A princípio imaginou que poderia ter sido sua mãe, mas não
demorou muito para que descartasse essa hipótese. Ao contrário dele, Suzana não
era do tipo que lia livros.
Ainda
tentava solucionar o mistério quando, folheando as primeiras páginas, leu o
seguinte tópico contido no sumário: AS
COMUNICAÇÕES COM OS ESPÍRITOS. Invadido pela curiosidade, deitou-se sobre a
cama, já iniciando a leitura do primeiro parágrafo. Passou o dia aprendendo
sobre aquele assunto que até então desconhecia. Somente quando o relógio de
cabeceira já marcava 11 da noite foi que finalmente decidiu parar. Colocando o
livro sobre o criado mudo, acomodou-se para dormir e, em menos de dez minutos,
caiu no sono; todavia, seu descanso foi interrompido às 3 da manhã ao som de
fortes batidas à porta. Com a vista meio embaçada olhou para o relógio.
Irritado
e protestando, levantou e foi abrir a porta:
–
Mãe, por acaso você já viu que horas são? – disse ainda sonolento, mas não
havia ninguém do outro lado.
Esticando
o pescoço para fora do quarto, procurou avistar o responsável pelas estrondosas
batidas. Deparou-se com o extenso corredor vazio. Confuso, tentou cogitar o que
teria acontecido, mas, como estava embriagado de sono, desistiu. Já pensava em voltar para a cama quando ruídos
vieram da cozinha.
–
Mãe?!
O
silêncio preponderou.
De
modo imediato, voltou para dentro do quarto, apanhou um velho castiçal de
bronze e então saiu. Tinha mais alguém acordado naquela casa e definitivamente
não era Suzana, do contrário ela teria respondido ao chamado do filho.
Segurando firmemente o objeto metálico pela haste, ele foi avançando de maneira
furtiva. Pé ante pé, se aproximava da cozinha sentindo um misto de adrenalina e
medo. Já estava bem próximo quando tornou a ouvir os ruídos de alguém mexendo
nas louças e prateleiras. Ficou ainda mais assustado, mas, invadido por um ímpeto
de coragem, Eduardo correu, ingressando pela escura cozinha. O braço estendido
ao ar, preparado para golpear um possível ladrão, desceu sem entrar em ação.
Estava sozinho diante de todas as portas e gavetas do armário,
escancaradas.
Com
o castiçal, coça a cabeça, intrigado.
Sem
que tivesse tempo de entender os fatos, ouve o som da TV ligada e, ligeiro, se
desloca até a sala, munido da arma com a qual pretendia proteger a casa. No
amplo cômodo, somente ele iluminado pela luz dos chuviscos na tela do
televisor. Perturbado com aquela situação, desliga o eletrodoméstico e, em
seguida, percorre os demais cômodos da casa procurando saber quem estava por
trás daquilo. Não encontrou nada. Voltando para o seu quarto, verificou ainda
se estava tudo bem com Suzana e Mariana. As duas dormiam tranquilamente. Diante
da cena, sentiu uma pontada de inveja. Também gostaria de ter um sono pesado. Vagarosamente,
foi caminhando. Já estava entrando em seu quarto quando sentiu uma presença no
final do corredor. Sentiu medo, mas a curiosidade falava mais alto. De soslaio,
notou que realmente tinha alguém ali. “Como é possível?” questiona-se,
paralisado. Havia passado por todos os cômodos sem avistar ninguém. Assustado,
aperta ainda mais a haste do castiçal e, lentamente, gira a cabeça na direção
da presença sentida e um sinistro calafrio lhe percorre toda a espinha.
Com
os olhos arregalados, vê a menina, vestida em trapos, a observá-lo. Eduardo
sente um forte desejo de entrar e se trancar e já estava prestes a tomar essa
atitude quando, no último instante, desistiu de fazê-lo. Aquilo tinha que
acabar de uma vez por todas. Após um delongado suspiro, inicia os primeiros
passos na direção da garotinha de aspecto sombrio. À medida que, lentamente,
avançava pelo extenso corredor, recordava-se de alguns trechos que tinha lido
no livro que encontrará em sua cama. Lembrava, vagamente, de algo sobre
espíritos conseguirem efetuar diferentes graus de comunicação com indivíduos
sensitivos denominados como médiuns. Tinha lido também uma determinada parte
mais específica para o seu caso. Chamava-se clarividência a capacidade de
enxergar o plano extrafísico. Através desta faculdade, embora não pudesse
ouvi-los, Eduardo podia ver espíritos.
Enquanto avançava, com várias passagens do
livro lhe vinho à memória, a menina permanecia parada. Eduardo sentia medo, mas
de alguma forma algo o encorajava a ir adiante. Quando faltavam pouco mais de
dois metros a misteriosa garotinha iniciou a andar e, sem hesitar, ele a
seguiu. Num angustiante silêncio, foram avançando até que por fim estacaram
diante da porta de acesso ao porão. Eduardo girou a maçaneta e a menina voltou
a caminhar. Lá embaixo, ele tateou a região da parede onde lembrava estar o
interruptor e após alguns segundos conseguiu encontrá-lo. Iluminados pela fraca
luz ambiente os dois continuaram e só pararam novamente diante da grande
mancha.
Eduardo
pensou em perguntar o sentido daquilo, mas, antes que pudesse abrir a boca, a
menina o segurou pelo braço fazendo-o sentir uma espécie de choque convulsivo.
Seus olhos viraram ficando completamente brancos enquanto seu corpo
estrebuchava violentamente. Enquanto
sentia o contado da mão fria da menina, uma espécie de filme começava a passar
em sua cabeça. Viu-se no interior do que aparentava ser o mesmo porão, porém,
mobiliado e iluminado por inúmeras velas que, espalhadas pelo chão, davam um
toque macabro ao ambiente. Era possível notar que sobre o local onde lembrava
haver uma mancha, agora existia um enorme pentagrama com uma menina amarrada no
centro. Devido à distância, não conseguiu distinguir quem era e, quando pensou
em se aproximar, avistou um homem caucasiano e robusto, trajando vestes antigas,
ingressar pelo porão acompanhado de mais duas mulheres, que também usavam
roupas que pareciam ser da época colonial. Naquele instante Eduardo percebeu
que era como se ele não estivesse ali, pois as pessoas não notavam sua
presença.
O
homem robusto se posicionou em frente ao pentagrama e iniciou a leitura de um
livro de capa preta com a gravura do mesmo símbolo desenhado sobre o chão. Ele
lia, em voz alta, enquanto as duas mulheres seguravam a menina pelos braços e
pernas para garantir que não conseguisse escapar. Eduardo não entendia o
significado daquilo; todavia, a cena causou-lhe uma enorme sensação de
angustia. Sem saber que o pior ainda estava por vir, continuou assistindo.
Quando finalmente o homem terminou de ler, fechou o livro, avançando para o
interior do pentagrama. Com calma, agacho-se ao lado da menina que tinha os
gritos abafados por uma mordaça e então sacou, da cintura, um afiado punhal de
cabo dourado. Desesperada, a criança se debatia com lágrimas vertendo os olhos.
As mulheres se esforçavam para conter o ímpeto da menina em escapar. Sem perder
tempo, o sujeito robusto então se colocou sobre a menina e ergueu a arma que em
seguida desceu, velozmente, contra o frágil peito da jovem vítima,
transpassando-o. O golpe fora tão brutal que respingos de sangue atingiram os
rostos das duas moças que só então afrouxaram a força. A menina está morta.
Diante
da imagem chocante, Eduardo grita e grita até que, sentindo seu corpo
sacolejar, por diversas vezes, ele finalmente volta à realidade. Está deitado
sobre o chão do porão vazio, com sua mãe a segurá-lo, firmemente, pelos ombros.
Eduardo
chora.
–
Graças a Deus! Pensei que fosse perdê-lo, meu filho! – balbuciou Suzana, em
meio às lágrimas, abraçando Eduardo que havia acabado de sofrer uma convulsão
extremamente semelhante às que seu falecido marido, por vezes, também
sofria.
Mãe
e filho permaneceram abraçados por mais de uma hora.
Somente
quando o dia já está por amanhecer é que os dois deixam o porão. Em silêncio,
Suzana acompanhou Eduardo até o quarto e o colocou na cama. Sentindo-se,
extremamente cansado, o rapaz não demora a pegar no sono. Só após se certificar
que o filho realmente dormira, Suzana volta para o seu quarto e a primeira
coisa que faz é apanhar o livro do plano de saúde. Procurando por psiquiatras,
começa a folheá-lo. Encontra um, mas em seguida olha no relógio e vê que ainda
é muito cedo para ligar. Resolve então, munida de folha e caneta, anotar o nome
e o número telefônico de todos os médicos psiquiatras da redondeza. Só então se
deita, contudo, antes de adormecer, fez uma fervorosa oração pedindo a Deus
para que seu filho não houvesse herdado a patologia do pai.
Poucas
horas após o alvorecer, Eduardo desperta, ouvindo o som de móveis sendo
arrastados. Imediatamente lembra ter prometido à mãe que iria ajudá-la na
arrumação da casa. O barulho indicava que Suzana já havia começado. Disposto a
ajudar, levantou-se rapidamente, mas, segundos depois, voltou para a cama. Não estava se sentindo muito bem. Decidiu
ficar ali mesmo e, fechando os olhos, tentou dormir novamente, mas o som
insistente dos móveis sendo arrastados de um canto para o outro, não permitam
que conseguisse.
Eduardo
terminou por desistir da ideia de permanecer na cama e, em meio a um bocejo, se
levantou seguindo para o banheiro. Ainda sonolento, pretendia lavar o rosto,
mas seu plano para tentar despertar de vez teve de ser adiado. A porta do
banheiro estava trancada. Do outro lado, a voz da Mari, cantarolando no banho.
Pensou em bater, mas decidiu não se estressar. Ao invés disso, seguiu para a
cozinha e, no meio do caminho, deparou-se com a porta, entreaberta, do quarto
da mãe. Pela fresta avistou o telefone celular, sobre a cama, e imediatamente
sentiu-se tentado. Sem fazer barulho, adentrou e, apanhando o aparelho,
procurou pelo nome Alberto. Era um dos primeiros da lista. Sem demora apertou o botão de discagem.
Enquanto
chamava, sentou sobre a cama, folheando um livro que estava sobre o criado
mudo. Lembrava que Alberto era o nome do corretor com quem sua mãe havia
realizado toda a negociação da compra da fazenda e, realizando aquela ligação,
pretendia colher alguma informação a respeito do passado da casa. O telefone
chamou e chamou até por fim cair na caixa postal. Eduardo pensou em ligar
novamente, mas algo o surpreendeu tanto que acabou mudando de ideia. Do
interior do livro que folheava, caiu um papel com uma sequência de números
telefônicos de médicos e suas especialidades. Todos, psiquiatras. De imediato,
Eduardo conclui que sua mãe já planeja levá-lo para fazer uma consulta.
Dominado pela revolta, amassa vigorosamente o papel e o atira pela janela.
Presumindo que foi daquele livro de plano de saúde que Suzana conseguiu os
números ele o toma para si.
Neste
ínterim, Mariana – já fora da banheira – se enrolava na toalha quando, ouvindo
uma voz, olha na direção do espelho, embaçado pelo vapor do banho quente que
tomara. Um grito, histérico ecoa pela casa. Eduardo deixava o quarto da mãe
quando escuta o berro estridente da irmã. Imediatamente corre na direção do
banheiro. Paralisada de medo, Mariana só consegue movimentar as pernas após
ouvir as batidas à porta. Célere, remove a tranca.
Eduardo
ingressa e a menina, nitidamente apavorada, o abraça.
–
O que foi Mari?
Trêmula,
Mariana aponta para o espelho onde Eduardo lê a seguinte frase, em letras
garrafais: VÃO EMBORA!
O
rapaz sente um arrepio transpassar o corpo ao mesmo tempo em que ouve passadas
no corredor. Suzana se aproximava. Rapidamente, passa a mão sobre a mensagem
contida no espelho, apagando-a completamente.
–
O que aconteceu?! – pergunta Suzana, ofegante, após correr todo o extenso
corredor.
Por
um breve instante o silêncio prevalece.
–
Um rato! – responde Eduardo enfim. – Mari viu um rato, no banheiro.
–
Minha nossa! Que susto você me deu, menina! – exclama a mãe que, devido ao
grito, imaginava algo mais grave. – É melhor eu resolver esse problema logo. –
continua, em seguida. – Vou até o mercado ver se arrumo algumas ratoeiras. –
Pode cuidar da sua irmã até eu voltar?
–
Sim.
–
Ótimo! Não vou demorar. – conclui Suzana que já saia quando viu seu livro do
plano de saúde numa das mãos de Eduardo. – O que faz com o meu livro? –
pergunta intrigada.
–
Ah... nada demais! – Estava me sentindo um pouco enjoado, aí pensei em marcar
uma consulta... – improvisa.
–
Tudo bem! Mas depois coloque-o no lugar. – Estarei de volta dentro de alguns
minutos.
Suzana
se despede e, assim que parte, Eduardo coloca a irmã no chão e joga o livro na
lixeira. Mais calma Mariana revela que não foi somente a mensagem no espelho
que a tinha assustado. A voz de menina também estava lá e dizia para que fossem
embora, caso contrário, o homem mal e sua família iriam acabar se dando conta
de que eles estavam vivendo ali.
Ao
ouvir aquilo, Eduardo se lembra do homem robusto que viu, no porão,
assassinando uma criança. Começa a sentir medo do que pode acontecer com ele e
sua família. Mariana inicia a chorar e ele a toma nos braços novamente. Juntos,
os dois saem da casa. Cuidadosamente, coloca a irmã no balanço e diz que vai
até a igreja local. Com medo de ficar sozinha, ela diz que vai junto, mas
Eduardo pretende ser ligeiro, pois sua mãe não pode desconfiar de nada. Ainda
pequena, Mariana só iria retardar a viagem. Com um pouco de paciência consegue
convencê-la a ficar e a não entrar, em hipótese alguma, na casa. Só então ele
parte.
Correndo,
Eduardo deixa a fazenda, transpondo uma longa estrada de chão. Em pouco tempo atinge a bendita
igreja. Na entrada da bela construção, encontra o padre que, sentado, parecia ver a hora
passar. Resfolegando, se identifica e sem delongas vai direto ao assunto. Tendo
explicado tudo, o padre revela que a casa precisa ser exorcizada e prontamente
se mostra disposto a ajudá-lo; entretanto, assim que fica sabendo o endereço,
muda de ideia. Diz, entre outras coisas, que aquele terreno guarda muitas
desgraças e que a fé de nenhum homem seria capaz de purificá-la. Eduardo não
acredita estar ouvindo aquilo da boca de um padre. Pouco a pouco, o velho
ancião vai contando o terrível passado daquela residência. Foi no ano de 1570
que a grande tragédia aconteceu. Os escravos do engenho, provavelmente
rebelados pelos maus tratos que recebiam, atearam fogo na casa, matando o
senhor Eulálio, dono do engenho, e sua família. Tentaram fugir após o crime
cometido, mas, indignado com tamanha perversidade, o povo da cidade os caçou,
levando todos de volta para a senzala, onde foram punidos com a morte. Nem
mesmo as mulheres e crianças foram poupadas. Todos os escravos daquele velho
engenho tiveram suas vidas ceifadas por tiros à queima roupa. Uma verdadeira
chacina.
Eduardo
fica chocado com o teor das informações, mas aflito, acaba decidindo
interromper o velho padre, pedindo por orientação. Se não podia recorrer à fé,
que atitude deveria tomar então? O padre é sucinto: Deixar a fazenda o quanto
antes. Amedrontado, Cadu retorna disposto a contar tudo a sua mãe. Precisavam
partir antes que as coisas piorassem, contudo, de volta a casa, encontra Suzana
e Mariana – perplexas – na entrada da cozinha. Pasmas, as duas olham para os
móveis, todos empilhados de forma assombrosa, no centro da cozinha.
–
O que você fez? – pergunta Suzana ao filho que acaba de chegar.
Eduardo,
igualmente espantado, nega a autoria e diz terem sido os espíritos que vivem
naquela casa.
Suzana
fica indignada.
–
Eu vou levá-lo ao psiquiatra, amanhã mesmo! Você está falando igualzinho ao seu
pai.
–
Não preciso de médico! Eu não tenho esquizofrenia. Não sou louco! – retruca
Eduardo, irritado.
–
Seu pai dizia a mesma coisa e acabou se suicidando! Não vou perder você também!
Mariana
ameaça falar algo, mas, fazendo um gesto com cabeça, Eduardo a desestimula. Já
basta um filho ser julgado como louco.
–
Está decidido! Amanhã eu vou levá-lo ao médico!
Eduardo
tenta insistir, mas Suzana é irredutível. Prometendo cumprir com a palavra,
arrasta e coloca o filho no quarto. Trancado pelo lado de fora, o deixa de
castigo. A contragosto o rapaz se vê obrigado
a passar o restante do dia preso. O tempo de fugir estava em seu limite, pois
Eulálio e sua família começavam a perceber a vibração espiritual de encarnados
na casa.
Cética
quanto à existência de assombrações, Suzana reorganiza todos os móveis da cozinha.
Quando finalmente termina, o trabalho que exige intenso esforço braçal, ela
decide tomar um banho para esfriar a cabeça. No banheiro, abre a torneira e,
enquanto espera a banheira encher, senta sobre o chão levando as mãos sobre o
rosto num típico gesto de cansaço. Parece não acreditar que as coisas estão se
repetindo. A água ainda está pela metade quando ela tira os brincos e se
levanta para colocá-los sobre a pia, contudo, leva um susto tão grande que os
deixa cair ao chão. Pelo reflexo do espelho viu a imagem de um homem
carbonizado atrás dela. De imediato, Suzana se vira. Esta sozinha no banheiro.
Acreditando
ter ficado, de certa forma, impressionada com a estória de espíritos, ela entra
na banheira, abre ainda mais a torneira e imerge o corpo inteiro na tentativa
de relaxar. “Levaria o filho o quanto antes a um especialista, do contrário
seria ela a ficar louca”. Pensava, com os olhos cerrados, e ainda submersa, até
que tendo a estranha sensação de estar sendo observada, abre os olhos e, de baixo
d’água, vê novamente o homem carbonizado que desta vez a ataca, enforcando-a.
Apavorada ela se debate, mas seu esforço é inútil. Sem desconfiar que a mãe
corria perigo, Mariana desenhava em seu quarto, quando é alertada pela voz de
menina. Rapidamente, ela larga o que esta fazendo e vai até o banheiro. Vendo a
água que começa a sair por debaixo da porta, Mariana chama pela mãe, que não
responde. O silêncio a deixa preocupada e, correndo, vai até o quarto do irmão,
destranca a porta e explica tudo à Eduardo que disparada a correr pelo corredor
e, sem pensar duas vezes, arromba a
porta encontrando o banheiro completamente alagado. Célere, ele avança até a
banheira onde encontra o corpo da mãe a flutua, inerte. Desesperado o rapaz
tenta socorrê-la, mas não há mais o que fazer. Suzana está morta. Ao seu lado,
Mariana chora e antes mesmo que Eduardo tivesse tempo de consolá-la, a menina é
bruscamente arrancada, para fora do banheiro, por uma força invisível.
Sendo
arrastada pelos corredores, Mariana é levada para o porão. Eduardo tenta
alcançá-la, mas a velha porta se trancar, impedindo sua passagem. Os gritos de
socorro da irmã ecoam lá de dento e, insistentemente, ele tenta arrombar a
porta que, estranhamente, não cede aos seus golpes. Com lágrimas nos olhos,
continua tentando, mas a porta só cede quando os gritos de Mariana não são mais
ouvidos. Rapidamente, ele desce, liga o interruptor e se depara com a irmã –
coberta em sangue – sobre o centro de um enorme pentagrama, situado onde antes
era somente uma mancha. Ele a toma nos braços, tentando fazê-la abrir os olhos,
mas é tarde demais. A menina, vestida em trapos, então aparece. Eduardo nota
que ela também tem lágrimas nos olhos.
Sem
dar nenhuma palavra a menina estende os braços como se desejasse um novo contato
com aquele encarnado. No primeiro momento, Eduardo hesita, mas acaba cedendo. Após
sentir o forte impacto daquele contato, novamente se vê no porão mobiliado onde
o homem robusto assassina uma pobre criança que agora, estando mais de perto,
nota ser a menina dos olhos tristes. Nesta segunda oportunidade, Eduardo
percebe que não é o único a testemunhar aquele crime. Do lado de fora da casa,
por uma pequena janela de ventilação, um garotinho negro, aparentemente mais
velho que Mariana, observa a tudo. De repente, uma enxurrada de informações
começa a invadir a cabeça de Eduardo, numa velocidade alucinante. A menina que
lhe mostrava tudo aquilo era uma escrava daquele engenho e havia sido vítima de
um ritual satânico. O garotinho que observava da janela de ventilação era seu
irmão que fugira da senzala para procurá-la. Sem desconfiar que tinham sido
vistos, Eulálio e sua família foram dormir enquanto o menino regressa à senzala
para revelar o que seus olhos haviam testemunhado.
Naquela
mesma noite, os escravos, revoltados com tamanha perversidade, atearam fogo na
casa. As chamas se alastraram rapidamente e nem Eulálio tampouco sua mulher e
filha, tiveram tempo de sair. Após fazerem justiça com as próprias mãos, os
escravos fugiram da fazenda, mas foram recapturados pelos moradores das
redondezas. Estes, desconhecendo os motivos que levaram os escravos a queimar a
casa de engenho, arrastaram todos para o interior da senzala e lá, puniram-nos
com a morte. Uma verdadeira tragédia manchava o solo daquela fazenda e agora
Suzana e Mariana também faziam parte disso.
Caído
ao chão, Eduardo volta a si.
A
menina desaparecera. No porão, somente ele, o corpo sem vida de Mariana e duas
mulheres carbonizadas vindo em sua direção. Imediatamente Eduardo se coloca de
pé e corre. Desesperadamente, sobe as escadas e, lá em cima, segue velozmente
pelos corredores. Não pretendia permanecer nem mais um minuto naquela casa
maldita. Já estava prestes a atingir a saída, quando – na cozinha – esbarra
contra um homem, alto de pele completamente queimada, que o agarra firmemente pelo
pescoço. Enquanto luta para se soltar, Eduardo sente o cheiro de podridão que
exala daquela figura horrenda. Sem conseguir escapar, começa a sufocar. A vista
já escurecia quando uma forte ventania invade a casa trazendo inúmeros
espíritos de escravos junto com ela. Na dianteira, a menina de olhos tristes.
Atravessando paredes, portas e móveis as entidades adentram pela cozinha
imobilizando Eulálio, temporariamente.
Arfando
e tossindo, Eduardo cai sobre o chão.
Utilizando-se
do ectoplasma do jovem encarnado, a menina rapidamente aciona todas as bocas do
fogão. Uma quantidade enorme de gás começa a escapar. Eduardo se levanta e a
garotinha aponta para a porta indicando que ele fugisse. Assim ele faz e, instantes
após deixar a residência, ouve um forte estrondo que o arremessa ao chão.
Novamente as paredes daquela imensa casa são tomadas pelo fogo. O barulho e a
nuvem de fumaça alertam os vizinhos que, rapidamente, se reúnem para tentar
apagar as chamas, mas o esforço é inútil.
Eduardo,
único sobrevivente, após testemunhar o que aconteceu na casa, foi encaminhado
para um hospício onde até hoje está internado. Por muito tempo o assunto foi
comentado pela população local, contudo, após algumas décadas o caso caiu no
esquecimento e a mesma imobiliária que havia realizado a venda do terreno,
reformou o que restou do imóvel e publicou anúncios de venda da propriedade nos
diversos meios de comunicação. A casa e o terreno, manchado pelo ódio, estão no
aguardo de suas próximas vítimas.
Por Thiago
Tavares.
CONTOS DE TERROR